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EPISÓDIO # 46 - E VAMOS FALAR DE SAUDADE NOVAMENTE

  • Foto do escritor: Carlos A. Biella
    Carlos A. Biella
  • 9 de mar. de 2023
  • 1 min de leitura

Atualizado: 23 de jul. de 2023


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E vamos falar de saudade novamente.


Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência. Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…

Então, vamos falar de saudades, novamente? Sejam todos muito bem-vindos e aproveitem.

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Saudações a todos. Este é o podcast Mundo Espiritual. Eu sou Carlos Biella e a produção, edição e a apresentação são minhas. A arte das capas dos episódios é feita pelo Hugo Biella. Ouça ou baixe o podcast, confira o conteúdo do episódio e entre em contato conosco. Confira os endereços na transcrição do episódio (https://podcastmundoespiritual.blogspot.com/ e http://mundoespiritual.podcloud.site/). Estamos também no Facebook (https://www.facebook.com/podcastmundoespiritual), Youtube (https://www.youtube.com/channel/UCvE-E-zthITBCsrNNJa0ytw) e Instagram (https://www.instagram.com/podcastmundoespiritual/). Procure-nos, também, nas diversas plataformas players de podcast. Saudade é um vazio que dói, presença de uma ausência, lugar onde o amor se aninhou, mas agora o ninho está vazio...Disse Rubem Alves na crônica “A fisgada da saudade”, publicada na Folha de São Paulo no dia 08 de fevereiro de 2011. E eu já falei sobre saudade, no episódio # 28, que fez parte da nossa segunda temporada, mas, resolvi falar mais um pouco sobre esse sentimento que vem e nos arrasta para o passado, para lembranças felizes de momentos que já não existem mais, mas que teimam em nos cutucar, como uma fisgada que, na maioria das vezes, dói. Afinal, é saudade ou saudades? Pelo visto, o mais indicado é o singular, mas o plural tem sido aceito, também. Saudade é um substantivo feminino abstrato, ou seja, não pode ser quantificado. Assim, é possível que possa ser usado tanto no singular quanto no plural. Podemos usar, então saudade ou saudades como uma palavra que traduz um sentimento que reflete a melancolia, a falta de algo ou de alguém, e que ocorre diante de situações que, por vezes, nos fazem querer voltar no tempo para elas sejam vivenciadas novamente. E começo o episódio com Alceu Valença, com a música Saudade, faixa-título do álbum lançado em 2021, foi composta durante o período de quarentena na pandemia e nela, o cantor fala sobre a saudade das pequenas coisas do dia a dia. https://youtu.be/HDWM_wvs_s8 O filósofo, sociólogo e psicanalista, Sérgio Rodrigues de Souza, no livro A saudade como elemento existencial humano, livro este que encontrei quando estava pesquisando sobre o tema, disse que sentir saudade não está vinculado ao fato de evocar a lembrança da figura ausente, perdida; todo um processo de cuidado em manter a paixão em algum dos palácios da memória deve ser realizado com todo o esmero para que não se perca o caminho até ele. O autor faz alusão a uma expressão usada por Agostinho de Hipona, mais conhecido por Santo Agostinho, em seu livro Confissões, escrito no final dos anos 390. No Livro X, onde Santo Agostinho faz um estudo da memória. Diz Santo Agostinho: Transporei, então, esta força da minha natureza, até Aquele que me criou. Chego aos campos e vastos palácios da memória onde estão tesouros de inumeráveis imagens trazidas por percepções de toda espécie. Aí está também escondido tudo o que pensamos, quer aumentando quer diminuindo ou até variando de qualquer modo os objetos que os sentidos atingiram. Enfim, jaz aí tudo o que se lhes entregou e depôs, se é que o esquecimento ainda o não absorveu e sepultou. Pois bem, quando parto em busca de material para escrever o roteiro de um episódio, pesquiso muita coisa e encontro algumas surpresas, como o livro que citei anteriormente e, também, um outro livro, este de 1991, de autoria de Nelci Silvério de Oliveira, chamado Saudade: a estética e a metafísica da saudade. Trago aqui alguns trechos deste livro, retirados do capítulo A tríplice dimensão da saudade. Saudade...há vários tipos de saudade capazes de invadir a incauta e desprotegida catedral do coração humano. Todos, porém, desaguam em dois grandes rios: o do tempo e o da eternidade. O rio do tempo é o rio da saudade finita que corre no plano horizontal da existência e envolve o homem no tempo e no espaço e é saudade de coisas e pessoas. Saudade de coisas é saudade na vida, saudade na morte, saudade no viver e no morrer, saudade de sons, de perfumes e cores, saudade de flores, saudade da Pátria... Mas, nenhuma saudade é mais saudade do que a saudade das pessoas...dos parentes, dos amigos...e, sobretudo, da ideal e insubstituível criatura amada, dessa alma-gêmea que encontramos ou almejamos encontrar num encontro-de-amor, para caminhar conosco e ao nosso lado nesses canais finitos de tempo e espaço, em busca da eternidade e do infinito. O segundo rio da saudade é o que desce da vertical, infinita e sublime majestade do Absoluto e é saudade eterna do Paraíso Perdido. Aqui, a saudade é nostalgia da Pátria espiritual distante, é angústia metafísica das origens e, até mesmo subconscientemente, é saudade de não sei quê, não sei como e nem onde... Eis a saudade autêntica e verdadeira: é a saudade de Deus! Todas as demais espécies de saudade, ainda a mais violentamente humana, não passam de simples e pálidos reflexos dessa eterna e nostálgica saudade das origens. Daí a saudade subconsciente de não se sabe de quê e nem de onde...Daí a saudade sem espaço, sem tempo e sem nome, a indizível saudade do infinito. E tudo isso é luz! Daí também a saudade dos espaços, dos amigos, das estrelas, da Pátria, da natureza, do verão, da primavera... Daí a saudade do tempo, dos amigos distantes, dos parentes que se foram, da criatura amada que não soube ou não pôde esperar. E tudo isso é humano, demasiadamente humano! Daí, finalmente, as três dimensões da saudade: a saudade de coisas, a saudade de pessoas e a saudade de Deus. Trago aqui, “Quando eu me chamar saudade”, música de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, aqui com Nelson Gonçalves, gaúcho de Santana do Livramento, que gravou essa música no disco “Quando a Lapa era a Lapa”, em 1973. https://youtu.be/HsLNiNyth-I Muitas vezes confundimos saudades com lembranças. Lembranças são superficiais, saudades são profundas e nos levam como que a uma viagem de volta no tempo, pois nos remetem a um espaço, num tempo que não existe mais, que ficou no passado. Saudade é algo que aconteceu, nos marcou muito e queremos repetir, mas, não mais pode ser feito. Como disse nosso companheiro de Doutrina Espírita, Simão Pedro de Lima, “saudade é querer fazer de novo, aquilo que se fez, num tempo que não mais se tem”. Talvez seja por essa razão que a saudade nos chega, carregada de suspiros e nos deixa melancólicos. É um sentimento tão comum a todos nós, mas cada um a sente de sua própria maneira, uma vez que é um sentimento interior. Voltando ainda ao Simão Pedro de Lima, “saudade é um sentimento que vai além do cérebro, vai além dos elementos da razão, vai além da superficial lembrança”. Saudade, seria o coração lembrando e buscando suas memórias afetivas. Ou seja, saudade é um sentimento que se liga diretamente a afetividade e nos faz lembrar e querer reviver algo que nos marcou profundamente e que nos proporcionou momentos felizes. A saudade é aquele sentimento tão gostoso, mas que anda de mãos dadas com a melancolia, pois é um sentimento que nos leva a querer fazer novamente algo, que não mais podemos fazer. Filosoficamente, a saudade seria a presença incessante da ausência. Esse vazio, diferente do nada, insiste em ativar o pensamento ou a levar a estados emocionais profundos, sendo assim, a saudade pode se mostrar como um transportador sentimental que leva diretamente a uma pessoa, um lugar, uma situação, por exemplo. Mas, pode ainda, nos levar para nós mesmos. É quando sentimos saudade de quem éramos tempos atrás. Saudade é reconhecer que o tempo é incontrolável e que deixa marcas inesquecíveis. Mas, qual a importância de sentirmos saudade? Lembrando que é um sentimento que não existe alguém que não o experimente. A psicóloga e coordenadora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, Letícia Cavalcante, destaca que sentir saudade não é necessariamente, sinônimo de tristeza. Sentir saudade demanda manter nosso coração em paz e nossas emoções de forma positivas. Viver em harmonia com a saudade pode exigir algum esforço, mas vale muito a pena, segundo ela. A saudade pode nos mostrar que estamos atentos ao que vivemos, que compreendemos o que vivemos e nos dá a constatação de que aquele tempo ou aquele momento não voltará mais, isso, porque o tempo está em constante transformação. Leticia diz ainda que saudade é reconhecer que o tempo não está sob nosso controle e que nos faz colecionar memórias importantes e inesquecíveis. Aqui temos Maneva, banda de reggae formada em 2005 na cidade de São Paulo, com a música “Saudades do tempo”, de Thalles de Pauli, lançada em 2009 no álbum “Tempo de Paz”. https://youtu.be/hpOWZVu7sKY Um artigo de 2016, publicado na Revista Emotion, da American Psychological Association, traz uma pesquisa feita pela Universidade de Southampton, na Inglaterra, pesquisa esta que afirma que nostalgia é benéfica para o ser humano e pode até aumentar a vitalidade. A saudade, ou a nostalgia, esse desejo sentimental pelo passado, é uma emoção que surge de memórias auto relevantes e sociais. Ela funciona, em parte, para promover a auto continuidade, que é um senso de conexão entre o passado e o presente. A pesquisa mostrou que a saudade confere um bem-estar, um sentimento de vivacidade e energia. De acordo com a pesquisa, a saudade funciona como uma resposta imunológica psicológica, por ser um sentimento que funciona como um mecanismo de defesa. Por isso, ela pode ser importante para dar uma sensação de auto continuidade, ajudando a criar uma narrativa de sentido para a vida e uma conexão com o passado para compreender melhor o presente. A ciência mostra que, ao sentir saudade, nossos corpos produzem hormônios e neurotransmissores, substâncias químicas que promovem bem-estar e ajudam a formar laços afetivos para que possamos manter relações. São substâncias parecidas como as que produzimos quando estamos amando: produzimos hormônios como estrogênio, testosterona e oxitocina e neurotransmissores como a seratonina e a dopamina. Quando entendemos o funcionamento da saudade, quimicamente, entendemos a razão pelo qual, logo após uma separação, por exemplo, ela pode causar sintomas físicos parecidos com os da abstinência de drogas. Sintomas como irritação, insônia, aumento de cortisol (que é o hormônio do estresse) e um mal-estar generalizado, podem ocorrer. Então, sentir saudade é bom, mas, se ela começar a te causar problemas e a te incomodar, o melhor é buscar auxilio com um psicólogo. Mas, não deixe a saudade chegar ao ponto de te fazer sofrer e chorar. Não deixe a saudade chegar ao ponto de você querer arrancar esta página de sua vida... Vocês conhecem os irmãos goianos José Pereira da Silva Neto e Ralf Richardson da Silva? Não? Mas pelo nome artístico vocês devem conhecer...Chrystian e Ralf, uma das mais afinadas duplas sertanejas brasileiras, aqui com a música Saudade, que fez parte do álbum Saudade, de 1988. Aqui no podcast Mundo Espiritual, você escuta de tudo! Valeu Luiz Augusto Macedo, pela contribuição em me enviar essa música para nosso episódio. Grande abraço, meu amigo. A Doutrina Espírita é conhecida por ser uma doutrina consoladora, pois demonstra a continuidade da vida após a morte do corpo físico. No entanto, mesmo o fato de sabermos que a vida continua, não ameniza a saudade e a dor que ela provoca. A separação provocada pela morte de alguém que amamos, pode ser minimizada caso pensemos na continuação da vida e que podemos nos reencontrar novamente, como quando alguém que amamos, se muda de cidade e nos alegramos nos reencontros. A vida é assim, de vez em quando um de nós vai embora deste mundo, muitas vezes, sem ao menos avisar. Para nós que aqui ficamos, a saudade é imensa. Mas nos esquecemos que quem parte, também fica com saudade de quem por aqui ficou. É impossível não sentir a falta daqueles que amamos. Como disse Chico Xavier, saudade é uma dor que fere nos dois mundos. Irmão José, no livro Lições da Vida, psicografado por Carlos Baccelli, diz que a saudade não pode ser convertida em doença, em inanição espiritual diante da luta que prossegue. Converter a saudade em esperança no trabalho enobrecedor é a melhor maneira de se aprender a conviver com ela. Quando não se transforma em desespero, saudade é manifestação de amor na constante lembrança daqueles que nos são incentivo à vida. As lágrimas da saudade nunca devem ser as do desespero. A saudade dos que amamos deve ser o nosso pão de cada dia no anseio de reencontrá-los. Diz ainda que a saudade excessiva é egoísmo enceguecedor, impedindo que o homem enxergue os que, à sua volta, permanecem na expectativa do seu carinho. E fecha o texto com uma bela frase: a saudade no coração que confia é feito o orvalho na corola da flor recendendo a perfume nas manhãs banhadas de Sol. Será que existe algum risco de ficarmos sentindo saudades? A psicóloga da USP e especialista em luto, Maria Julia Kovacs, diz que “a nostalgia e a saudade têm o lado positivo. O risco pode ser o tempo vivido no passado e que faz com que a pessoa não viva o momento presente. Acontece com pessoas idosas que agora têm restrições ou limitações e que o passado aparece como muito melhor”. Pois então, a saudade é algo que nos traz algumas consequências para saúde, sejam elas físicas ou psicológicas, conforme diz o médico português Viriato Horta, num artigo que encontrei na internet. A nível psicológico temos ansiedade, nervosismo, angústia, flutuações do humor; sensação de frustração, desamparo, insegurança, solidão; tristeza, choro fácil, apatia, depressão; insónia; falta de apetite; dificuldade de aprendizagem, distração, perda de memória; isolamento social, comportamentos aditivos, como uso de álcool, cigarro e outras drogas lícitas e ilícitas. Já a nível físico, as consequências ocorrem como resultante da somatização do sofrimento psicológico e do efeito prolongado dos hormônios de estresse: adrenalina, noradrenalina, cortisol, hormona tiroidiano, entre outros. Os sintomas mais comuns são fadiga, dores de cabeça, dores no peito; hipertensão arterial, angina, AVC; diabetes; úlceras pépticas, gastrite; colite; perda de peso; diminuição das defesas corporais, o que favorece o surgimento de infecções e reagudização de casos de herpes, desenvolvimento de tumores, surgimento de doenças autoimunes; alterações no ciclo menstrual; impotência sexual; entre vários outros problemas. Daí a necessidade de algumas estratégias para lidar com a saudade, a fim de compensar a dor do luto e o sofrimento provocado pela solidão, a aumentar a resistência orgânica, a compensar os danos provocados pelo estresse continuado e a promover o relaxamento físico e psíquico, bem como aumentar as hormônios do bem-estar, da felicidade e do amor, como a dopamina, a serotonina, as endorfinas e a oxitocina. Entre outras estratégias, temos: apoio social; participação em atividade de grupo; apoio religioso; comunicação entre quem partiu e quem ficou, quando possível, recordar vivências e partilhá-las; exercício físico, que aumenta os níveis de endorfinas, alimentação saudável com alimentos ricos em proteínas, triptofano e ômega 3; dormir bem; ouvir músicas relaxantes; ter animais de estimação, entre outras estratégias. O médico alerta que, quando estas estratégias falham ou não são suficientes, pode ser necessário fazer uso de medicamentos, devidamente orientados por um profissional da saúde. Enfim, a saudade pode ser resolvida quando se aceita a perda irremediável de algo ou alguém desaparecido, quando se consegue reaver o que foi perdido ou quando a própria saudade se vai desvanecendo aos poucos, tornando-se uma lembrança suave e sem sofrimento. Quando a saudade for rompida num reencontro, um abraço apertado e prolongado com alguém, gera a produção de oxitocina (o hormônio do amor), bem como de outras substâncias benéficas (como dopamina, serotonina e endorfinas), que se sobressaem aos hormônios do estresse. Trago agora a linda música “Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, composta em 1956. Aqui com a Orquestra Sinfônica Arte Viva, de São Paulo, sob regência do maestro e fundador da orquestra, Amilson Godoy. https://youtu.be/Paqj7pu6DYY Essa é a música que vai nos acompanhar no texto que lerei agora. Rubem Alves, que cito muito em nossos episódios, já que gosto muito de sua obra, tem um pequeno livro infantil que é maravilhoso. A menina e o pássaro encantado, foi lançado em 1984, sendo o primeiro dos 57 livros infantis que Rubem Alves escreveu. Sua filha, Raquel Alves disse que, quando era pequena, seu pai viajava muito, para lecionar fora do Brasil e chegava a ficar meses fora, sem voltar. Ela sentia muitas saudades e, naquela época, sem internet e pouco acesso ao telefone, quem ficava com saudade, ficava com saudade de verdade. Assim, para seu consolo, seu pai teria escrito esta bela história, para ensina-la a lidar com a saudade. Raquel seria a menina e seu pai o pássaro. Aqui está a história... Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão… — Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti… E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro. Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça. — Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes. E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre. Mas chegava a hora da tristeza. — Tenho de ir — dizia. — Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho… — Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar. Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…” Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz. Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro… — Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias…sem a saudade, o amor ir-se-á embora… A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar. Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo… Até que não aguentou mais. Abriu a porta da gaiola. — Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres… — Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar… E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia. — Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo… E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra. — Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje… Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah! Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama… E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….” E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro. Isso é Rubem Alves! Simplesmente, maravilhoso. E assim, sonhando com a alegria do reencontro que vamos chegando ao final deste episódio Este é o podcast Mundo Espiritual e a produção, edição e a apresentação são minhas, Carlos Biella e o Hugo Biella é que faz a arte das capas dos episódios. Ouça ou baixe o podcast, confira o conteúdo do episódio e entre em contato conosco pelos endereços que estão na transcrição do episódio (https://podcastmundoespiritual.blogspot.com/ e http://mundoespiritual.podcloud.site/). Estamos também no Facebook (https://www.facebook.com/podcastmundoespiritual), Youtube (https://www.youtube.com/channel/UCvE-E-zthITBCsrNNJa0ytw) e Instagram (https://www.instagram.com/podcastmundoespiritual/). Procure-nos nas diversas plataformas players de podcast. Hoje tivemos a colaboração do nosso amigo, lá de Goiânia, Luiz Augusto Macedo, que deve colaborar com nossos episódios, a partir de agora. Ah, caso queira, tenho minhas palestras e vários outros vídeos em minha playlist no YouTube. Procure por Carlos Biella, inscreva-se no canal e nos acompanhe. Deixei o link na transcrição do episódio (https://www.youtube.com/channel/UCMpcMSh6nbb9LtujlgfabOA). Eu comecei esse episódio dizendo que depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência. Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas… São palavras de Rubem Alves, ao final de “a menina e o pássaro encantado”, que trago agora para vocês. Esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus… Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade. Tudo se enche com a presença de uma ausência. Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas… Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… para que não haja mais partidas… Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços. Esta história, eu não a inventei. Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta. Para que uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso. É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano. Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos. Claro que são para crianças. Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão… Então, carregado de saudades, ficamos por aqui. Deixo vocês com uma delícia de música “Flora, Flor”, de Gerson Borges, cantor, compositor, violonista, arranjador, professor e pastor protestante carioca. A música foi lançada em no álbum Os quatro amores, de 2019. https://youtu.be/yKWmaANI76Y Fiquem todos em paz e até nosso próximo episódio.


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