EPISÓDIO # 61 - O QUE RESTA DE NOSSOS AMORES
- Carlos A. Biella

- 4 de jul. de 2024
- 1 min de leitura

O que resta de nossos amores.
Esta noite, o vento que bate em minha porta, me fala dos amores mortos. Assim começa a letra de uma música que pergunta: o que restou de nossos amores? Quer saber? Então, sejam todos muito bem-vindos e aproveitem.
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Saudação a todos. Este é o podcast Mundo Espiritual. Eu sou Carlos Biella e a produção, edição e a apresentação são minhas e a arte das capas dos episódios é feita pelo Hugo Biella.
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Hoje estou um tanto nostálgico e resolvi compartilhar com vocês a razão deste sentimento.
No dia 11 deste mês de junho de 2024, morreu, aos 80 anos, um dos ícones da música francesa, Françoise Hardy.
Entre muitas músicas interpretadas por ela, está a belíssima Que Reste-t-il de Nos Amours.
A música é de Léo Chauliac e Charles Trenet, que também fez a letra. Ela foi gravada pela primeira vez pela cantora Lucienne Boyer em 1942 e Charles Trenet também a gravou em 1943.
Em 2006, no álbum Parenthèses, Françoise Hardy gravou a música com Alain Bashung (https://youtu.be/Upr3hnEfXh8).
A cantora se destacou na Paris do início dos anos 1960, com sua bela voz e com canções que marcaram a história da música mundial, como a conhecida Tous les garçons et les filles (https://youtu.be/tRvXOt1TawU).
Françoise Hardy também foi um ícone da moda, desfilando sua elegância ao longo de passarelas ao redor do mundo. Com seus longos cabelos e sua franja, foi, também, modelo de revistas como a Paris Match.
A música aparece na série de televisão francesa, Dix Pour Cent, no segundo episódio da primeira temporada, em que as atrizes Line Renaud e Françoise Fabian expõem sua rivalidade e disputam as atenções das pessoas em uma festa cantando a música.
Não que eu seja tão fã assim da cantora, mas, ao me lembrar da música, uma das que mais gostava dela, me peguei a me perguntar, que resta de nossos amores?
A música fala do tempo passando e destruindo muitas coisas que tanto sentido fizeram para nós no momento em que as vivemos.
O tempo, esta dimensão na qual os eventos ocorrem e se sucedem, sem parar, nos roubando momentos que acabam por ficar, quando muito, armazenados em nossa memória.
Como diz a música, em alguma noite, o vento que bate em minha porta, vem falar dos amores mortos, nos levando em suas asas, para dias tão distantes.
O tempo, essa grandeza física que teima em mudar meu rosto, toda vez que me olho no espelho.
Hoje, não vejo mais aquele eu de tempos atrás, aquele jovem com tantos sonhos. Não que eu não os tenha atualmente, pelo contrário, muitos dos meus sonhos de outrora, ainda os tenho.
Mas, o tempo nos faz pensar nisso: o que resta de nossos amores?
Não digo somente nos amores, mas o que resta de nossas lembranças, o que resta daqueles inúmeros momentos pelos quais passamos e que acabaram sumindo, como fumaça no ar?
O que restou dos nossos amores? Daqueles belos dias? Daqueles tempos tão gostosamente vividos?
Dia desses, peguei uma foto antiga minha, com meus amigos de faculdade, lá do início dos anos 1980. Uma foto. Uma velha foto da minha juventude. O que restou destes dias? Aqueles dias tão felizes, que ficaram presos no passado.
Somente lembranças que me perseguem, sem parar.
O que restou das cartas de amor? Beijos roubados, sonhos passageiros...O que restou de tudo isso?
As palavras, as palavras ternas que murmuramos, as carícias mais puras, as flores encontradas em um livro, desapareceram por quê?
Pedaços da vida que ficam largados no tempo, como peças de um quebra-cabeças esperando para serem montadas novamente.
Ao fundo estamos sendo acompanhados pela Dutch Symphony Orchestra, com a música na versão instrumental. (https://youtu.be/Xa-fpK6FThw)
O tempo vai passando, a idade vai aumentando e eu tenho pensado a respeito da vida e de como deixamos acabar coisas tão gostosas como os tempos de crianças e de juventude.
A vida é tão frágil e fugaz que deveríamos tomar mais cuidado com aquilo que deixamos para traz, como amores, amizades e boas lembranças.
Anos atrás encontrei um texto na internet, de Ricardo Kertzman, um artigo para o jornal O Estado de Minas, de 16 de novembro de 2022, com o título: Isabel, do vôlei, morta aos 62 anos, envia um duro recado aos desatentos.
Mais para o final do texto ele diz o seguinte:
[...] recebo com extrema surpresa e pesar, a notícia da morte repentina da ex-atleta da seleção feminina de vôlei, Isabel Salgado. Aos 62 anos de idade, a ícone do esporte brasileiro e mundial foi acometida por uma bactéria mortal.
Há dois dias, Isabel fora convidada a participar da equipe de transição do novo governo eleito. Estava bem, feliz, com a saúde em dia. Em menos de 48 horas, o que parecia ser uma “vida privilegiada”, chegou ao fim de forma brutal. Não houve médico (dos melhores), hospital (dos maiores) e medicamentos (dos mais eficazes) capazes de evitar o pior.
Depois de se referir ao processo político pelo qual o Brasil passava em novembro de 2022, o autor segue dizendo:
Se a vida é frágil e breve - e ela é! -, por que não vivê-la de forma e maneira mais úteis?
Por que interromper uma festa, brigando por política e políticos? Por que romper relações afetivas em nome de crenças e desejos unilaterais? Por que deixar para amanhã a troca de afeto, ou a reconciliação, de hoje? Por que infernizar a vida de moradores, estudantes e trabalhadores do Gutierrez e região, se “uma bactéria” nos levará para o mesmo lugar?
Saiam daí, meus caros! Há uma vida para ser vivida. Meus sentimentos aos amigos e familiares de Isabel Salgado, a nossa grande e eterna Isabel, do vôlei. Que sua passagem possa servir de alerta para tanta gente, hoje, necessitada de luz (não a de cunho espiritual, mas a de cunho terreno mesmo, no sentido de sabedoria). Para mim, já serviu.
Pois é, assim, é a vida, muito rápida e precisa ser vivida com intensidade, pois de um momento para outro, se vai.
Então, me lembrei de um texto do grande Rubem Alves, que trago agora para vocês. Chama-se As coisas essenciais e está no livro O retorno e terno, de 1992.
Leia este poema bem devagar, pois cada imagem merece a preguiça do olhar.
“No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, uma violeta
e, sobre ela, o dia inteiro
entre o planeta e o sem-fim
a asa de uma borboleta”.
É pequeno, mas diz tudo. Nada lhe falta, Uni-verso. Nenhuma palavra lhe poderia ser acrescentada. Nenhuma palavra lhe poderia ser tirada. Assim se faz um poema, com palavras essenciais. O poema diz o essencial.
O essencial é aquilo que se nos fosse roubado, morreríamos. O que não pode ser esquecido. Substância do nosso corpo e da nossa alma. Por isto as pessoas se suicidam: quando se sentem roubadas do essencial, mutiladas sem remédio, e a vida, então, não mais vale a pena ser vivida.
Os poetas são aqueles que, em meio a dez mil coisas que nos distraem, são capazes de ver o essencial e chamá-lo pelo nome. Quando isso acontece o coração sorri e se sente em paz.
Encontrou aquilo que procurava. Kirilov, personagem de Dostoievski assim descreve o encontro com o essencial. “Há momentos em que a gente sente de súbito a presença da harmonia eterna. É um sentimento claro, indiscutível, absoluto. Apanhamos de repente a natureza inteira e dizemos ‘é exatamente assim!’ É uma alegria tão grande! Se durasse mais de cinco segundos a alma não o suportaria e teria de desaparecer. Nesses cinco segundos vivo uma experiência inteira, e por eles daria toda a minha vida, pois eles bem o valem”.
Chamava-se Norma. Estava doente, muito doente. Na véspera de sua morte, arrastou-se até o banheiro e foi até a pia para lavar-se dos vômitos. Abriu a torneira e a água fria escorreu sobre as suas mãos. Ela parou como que encantada pelo líquido que a acariciava. E de sua boca saíram estas palavras inesperadas: “A água… Como é bela! Sempre que a vejo penso em Deus. Acho que Deus é assim…”.
A morte na pia… A água que escorre… Os olhos contemplam a eternidade… O universo essencial de Norma está cheio de fontes frescas e regatos transparentes onde brincam as suas mãos.
O nome do filme eu nem me lembro. Sei que se passava no Japão, um casal de velhinhos. A esposa havia morrido. Os filhos, reunidos para a divisão das coisas deixadas. De repente percebem uma ausência. O pai, onde estará? Pois não estava ali, entre eles. Depois de uma longa espera aflita, lá vem o seu vulto, banhado pela luz do crepúsculo.
“Papai, onde foi? Estávamos preocupados!”.
“Onde fui? Fui ver o pôr-do-sol. É tão bonito…”.
Os filhos repartem os despojos. Os olhos do pai contemplam o horizonte colorido… O universo essencial do pai está cheio de pores-do-sol. Sem eles os seus olhos ficariam eternamente tristes.
Este poema é de Brecht:
“Quando no quarto branco do hospital
acordei certa manhã
e ouvi o melro, compreendi bem.
Há algum tempo já não tinha medo da morte.
Pois nada me poderá faltar se eu mesmo faltar.
Então consegui me alegrar com todos os cantos dos
melros depois de mim…”.
A morte branca no quarto de hospital. Fora, o melro canta. Alegria pelos cantos que não ouvirei. No universo essencial de Brecht, o canto dos melros continuará, sem fim.
“Pergunto se, depois que se navega,
a algum lugar, enfim, se chega …
O que será talvez até mais triste.
Nem barca, nem gaivota: somente sobre-humanas
companhias…”.
Cecília Meireles sabia o que era essencial. No seu mundo as barcas navegariam as águas e gaivotas planariam pelos ares…
O que é essencial?
Os filósofos antigos reduziam o essencial a quatro elementos fundamentais: a água, a terra, o ar e o fogo. Concordo com eles. Pensavam estar fazendo cosmologia, mas estavam fazendo poesia. Sabiam dos segredos da alma.
Pois é disto que somos feitos. Posso imaginar um mundo sem que eu sinta por isto, nenhuma tristeza especial. Mas não posso pensar um mundo sem a chuva que caí, sem regatos cristalinos, sem o mar misterioso… Não posso imaginar um mundo sem o calor do sol que agrada a pele e colore o poente, sem o fogo que ilumina e aquece… Não posso imaginar um mundo sem o vento onde navegam as nuvens, os pássaros e o cheiro das magnólias…
Não posso imaginar um mundo sem a terra prenhe de vida onde as plantas mergulham suas raízes… São estes os amantes com que a vida faz amor e engravida, de onde brota toda a exuberância e mistério deste mundo, nosso lar. Não preciso de deuses mais belos que estes.
Ouço, pelo mundo inteiro, em meio ao barulho das dez mil coisas que fazem a nossa loucura, as vozes-poema daqueles que percebem o essencial. Elas dizem uma coisa somente: “Este mundo maravilhoso precisa ser preservado”. Mas ouço também a voz sombria dos que perguntam: “Conseguiremos?”.
Grande Rubem Alves.
Existem tantas coisas que nos são essenciais e não são materiais, não. São essas coisas que fazem falta em nossa vida, quando deixam de existir.
E quanto as coisas que ficam em nossa memória?
E o que é a memória?
De forma resumida, a memória é a capacidade de armazenarmos informações de modo que elas possam ser recuperadas quando buscamos recordá-las. Fisiologicamente, a memória ocorre pela formação de conexões entre os milhões de neurônios as células nervosas existentes no cérebro. Tais conexões são ligadas por pontos chamados sinapses.
Existem memórias chamadas implícitas e explícitas. Memórias explicitas são aquelas que conseguimos verbalizar, por exemplo, quando falamos de algo que ocorreu em nossa vida ou quando utilizamos conhecimentos adquiridos em nossa vida. Já as implícitas são difíceis de verbalizar, como é o caso da aprendizagem motora. Quem aprendeu a andar de bicicleta, não mais esquece.
Existem as memórias de curto prazo e de longo prazo, que dependem de muitos fatores. Certos eventos podem, dependendo da situação, transformar-se em memórias de curto ou de longo prazo. Por exemplo alguns traumas e situações de extrema felicidade podem fixar em nossa memória por toda a vida.
Basicamente é assim que nossas memórias se formam.
Por falar em memória, me lembrei que eu havia escutado essa música com João Gilberto, que a gravou em 1991, no álbum João. Então, aqui vai...
Então, nosso cérebro é carregado de memórias que ficam lá, somente esperando que possamos busca-las.
Quanta coisa nós vivemos ao longo de nossas vidas, não é mesmo?
Vocês se lembram do seu primeiro grande amor? Das primeiras flechadas no coração, aquelas que nos deixaram meio abobados? Pois é, isso tudo ficou pra trás.
Por que mudamos tanto ao longo da vida?
Onde está aquele eu que via o mundo de forma tão diferente do que vejo hoje?
Pois é, aquele eu, viu o mundo e acabou mudando algumas opiniões. Talvez eu tenha ficado muito mais chato ao longo do tempo. Com certeza, muita coisa mudou em minha maneira de pensar e de agir e isso é natural, creio eu.
Mas, o que restou de tudo aquilo que vivi e que tanto me marcou?
Somente as lembranças.
Como pequenas brasas adormecidas que anseiam por um pouquinho de brisa para se acenderem novamente.
O pior é que muitas destas pequenas brasas, esfriaram-se de tal modo que não mais são capazes de acender. São as memórias que se perderam e que não mais consigo alcançar.
Por isso é tão bom um pouco de nostalgia de vez em quando.
Assim, podemos dar uma pequena soprada nas brasas adormecidas e fazer com que elas se incendeiem um pouco, fazendo com que sejamos transportados para situações vividas e que marcaram o percurso de nossa vida.
Não deixemos morrer as lembranças dos amores passados. Digo amores, não no sentido do amor carnal, nem do amor paixão, mas dos amores das amizades, dos encontros familiares, das brincadeiras com os amigos e primos, da bagunça na escola, das disputas esportivas, das canções cantadas a plenos pulmões, cabelo ao vento, gente jovem reunida...
Falo das viagens de férias, quando criança.
Falo dos almoços festivos de natal, ano-novo, páscoa ou qualquer outro encontro onde quase toda família se reunia.
Falo dos poemas que escrevia com tanta paixão.
Falo dos sonhos que tinha do que viria a ser quando crescesse.
Falo de todos esses amores.
Como diz a música, o que restou desses amores?
Então, hoje, me peguei pensando nisso, ao ler sobre a morte de Françoise Hardy e, ao me lembrar da música cantada por ela.
Isso me fez pensar em tudo aquilo que ficou lá no passado e que hoje são meras lembranças.
Assim corre a vida. Como um rio que leva, junto com suas águas, inúmeras partículas que vão sendo depositadas ao longo do percurso.
Não deixe suas boas lembranças se perderem no caminho.
Entre em contato com seus amores, com seus amigos, com seus familiares.
Não se esqueçam que a vida é rápida demais e, como dito no texto do Ricardo Kertzman, de repente, uma simples bactéria nos leva embora. Ou então, um mero e insignificante vírus, como vimos com a COVID. Quantos amigos e amores ficaram para trás e hoje são lembranças.
Precisamos viver o mais intensamente possível, não esquecendo que estamos numa viagem só de ida, como diz o psicólogo e professor da UFJ, Amilcar Barcelos, em seu livro Tempo para viver, que já citei em outro episódio: “A expressão “na ida” tem sido colocada em relevância para chamar a atenção sobre nossa trajetória perene de manifestação de vida, agindo, provocando e modificando as coisas ao nosso redor. Na verdade, estamos sempre indo. [...] estamos destinados a andar sempre para frente. A volta é uma ilusão”.
Sim, a vida, meus amigos é uma ilusão que vivemos, mas que deixa profundas marcas em cada um de nós. Essas marcas são, muitas vezes, os amores que deixamos para trás. Pois, como disse o professor Amilcar, estamos indo sempre para frente. Voltar, ah, voltar é uma ilusão.
Pois é, a vida segue seu curso e espero que continuemos a rir, ainda que a ausência dos nossos amores nos dê vontade de chorar.
A vida segue em frente..., mas este episódio fica por aqui.
Este é o podcast Mundo Espiritual e a produção, edição e a apresentação são minhas, Carlos Biella e o Hugo Biella é que faz a arte das capas dos episódios.
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Então, para que as boas lembranças de nossos amores se mantenham sempre acesas, nunca deixe de soprar as brasas da memória.
Para encerrar, deixo vocês com a música Que Reste-t-il de Nos Amours, mas numa versão mais alegre, com Tatiana Eva-Marie e Avalon Jazz Band, uma banda que surgiu no Brooklyn, em Nova York, em 2012 (https://youtu.be/OddALnXIhkE). Aproveite e faça uma viagem ao passado, com essa música que fala da lembrança de pequenos detalhes de um amor que se foi, buscando responder o que restou de seus amores.
São essas pequenas memórias que permanecem, mesmo quando o amor não mais existe.
Fiquem todos em paz e até nosso próximo episódio.





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