MÚSICA DA ALMA # 09 - PONTEIO
- Carlos A. Biella

- 2 de out. de 2024
- 7 min de leitura

Ponteio.
Existem músicas que são verdadeiros hinos na história musical brasileira. Esta é uma delas. Quer saber mais? Então, vem comigo.
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Eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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À meia noite do dia 26 de julho de 1967, encerravam-se as inscrições para o III Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record de São Paulo. Foram mais de 4 mil músicas inscritas. Durante todo o mês de agosto as músicas foram analisadas e escolhidas as 36 que seriam apresentadas nas 4 eliminatórias.
Eram tempos de pesada censura pela ditadura militar e das 36 selecionadas, 6 foram proibidas, conforme nota encontrada na seção “Quatro Cantos”, do Jornal Correio da Manhã, de 8 de setembro de 1967. A nota refere-se à dificuldade da liberação, pela censura, da peça teatral O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, a ser encenada no Teatro Oficina. A nota segue dizendo: e por falar em censura, o Festival de Música Popular que a Record está promovendo e que no ano passado premiou A banda e Disparada, este ano teve pelo menos seis músicas proibidas pela censura. E eram músicas de autores consagrados.
Os festivais eram programas de televisão ao vivo, transmitidos também via rádio, onde canções originais eram apresentadas e julgadas, escolhendo-se a melhor entre todas elas, através de um júri composto por músicos, jornalistas, escritores, entre outros. Por força do regime militar, as canções eram previamente avaliadas pelos órgãos de censura antes de serem apresentadas, e os censores poderiam pedir alterações ou então vetarem a apresentação de algumas músicas, como ocorreu com seis delas, neste festival.
Pois bem, as 36 canções selecionadas foram divididas em três eliminatórias e em cada uma delas, quatro músicas eram classificadas. Na grande final, as 12 canções eram novamente apresentadas e avaliadas pelo mesmo júri.
Assim, na primeira eliminatória, em 30 de setembro de 1967, a música Ponteio ficou entre as 4 selecionadas para a grande final.
No livro A era dos festivais: uma parábola, Zuza Homem de Mello escreveu o seguinte a respeito desta primeira eliminatória:
Uma apresentação irrepreensível do Festival foi a de "Ponteio", com Edu Lobo, o Quarteto Novo, o conjunto vocal Momento Quatro (Maurício Maestro, Zé Rodrix, David Tygel e Ricardo Sá) e uma cantora linda, de fulgurante presença, cabelos curtos, num longo vestido tomara-que-caia, dourado e vermelho: Marília Medalha. A plateia vibrou tanto quanto os que já conheciam a música de Edu e Capinam, convencida de que "Ponteio” seria uma finalista peso-pesado.
Assim, no dia 21 de outubro de 1967 aconteceu a finalíssima do Festival, no Teatro Record, em São Paulo. Para vocês terem noção do nível deste festival, vejam só as cinco primeiras canções vencedoras:
Em quinto lugar, Roberto Carlos, cantando Maria, Carnaval e Cinzas, de Luiz Carlos Paraná.
Em quarto lugar, Caetano Veloso e os Beat Boys, com Alegria, Alegria, do próprio Caetano Veloso.
Em terceiro lugar Chico Buarque e MPB4, com a música Roda Viva, de Chico Buarque.
E em segundo lugar, Gilberto Gil e Os Mutantes com a música Domingo no Parque, de Gilberto Gil.
E a vencedora foi a música de Edu Lobo e Capinam, Ponteio, interpretada pelo próprio Edu Lobo juntamente com Marilia Medalha.
Viram só o nível deste festival? Incrível, não? Sem sombra de dúvidas, esse foi realmente, considerado o “festival dos festivais”.
Nesta grande final, para aqueles mais vividos, como no meu caso, ou para os que já viram a cena, aconteceu um fato que marcou a história dos festivais brasileiros. A sétima música a ser apresentada era Beto bom de bola, de Sérgio Ricardo, que já entrou debaixo de intensa vaia, o que já havia acontecido na eliminatória, uma vez que o público queria mais músicas de protesto. Sérgio Ricardo não conseguiu cantar a música e num momento de fúria, acabou se descontrolando e aos berros, dizendo “vocês venceram”, quebrou seu violão e o atirou na plateia.
Após esse triste incidente, a próxima música a se apresentar seria Ponteio.
A tensão estava no ar. Ouçam o próprio Edu Lobo falando sobre esse momento.
Então, Marília Medalha entrou com a mesma roupa da eliminatória e soltou a voz, cantando o refrão, enquanto ouvia o público cantando junto: "Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar". Ela chorou por duas vezes, sem deixar de sorrir. E o público foi ao delírio. A presença de Marília Medalha ao lado de um simpático Edu Lobo, somados a um grande arranjo funcionou mais uma vez.
Para quem, como eu, gosta de música e de suas histórias, deixo como sugestão o livro A era dos festivais, de Zuza Homem de Mello e, também, o documentário Uma Noite em 67, dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil, lançado em 2010 que vocês podem assistir no streaming Netflix ou buscarem no Youtube.
Ponteio é uma canção com ares sertanejo, com marcante som dos violões, a emblemática flauta de Hermeto Pascoal e uma marcação bem do ritmo xaxado, trazendo muito daquela musicalidade do nordeste, numa referência ao modo dos violeiros de todo o Brasil tocarem a viola, o ponteio.
A letra de Capinam também estava bem ao gosto da juventude politizada frequentadora dos festivais e ainda havia o carisma de Edu Lobo e uma imponência em Marília Medalha que certamente cativaram o público. Todos estes fatores levaram Ponteio a ganhar a Viola de Ouro e sair vencedora deste que foi considerado o “Festival dos Festivais”.
É uma das músicas que fizeram parte de um novo contexto musical brasileiro, contrário a ditadura militar e natural oposição ao movimento da Jovem Guarda, supostamente considerada alienante.
Interessante é que a música surgiu quando Dori Caymmi pediu para Edu Lobo fazer uma música em parceria com ele, para se inscreverem no festival de música. Dori apresentara para Edu Lobo a melodia O Cantador e queria que este fizesse a letra. Ouçam o próprio Edu Lobo falando sobre isso:
Aquele refrão nascido ao ouvir a melodia de Dori, ficou na cabeça de Edu Lobo, que acabou por passa-lo a Capinam, juntamente com outros trechos escritos e assim a letra e música foram tomando forma. Tudo isso três dias antes do encerramento das inscrições para o festival. Surgia, assim a música Ponteio, feita em parceria entre Edu Lobo e Capinam, poeta, músico e médico baiano.
A música foi inscrita no último dia.
No livro A era dos festivais, consta que Edu Lobo convidou o Quarteto Novo e o Momento Quatro e juntos fizeram um arranjo coletivo onde a música culminava num affrettando (uma aceleração do andamento musical). Edu convidou, também, uma jovem de 23 anos, Marília Medalha, que ele conhecera na primeira montagem da peça Arena Conta Zumbi.
Após exaustivos ensaios a música estava pronta, com uma introdução criada pelo Quarteto Novo e um acabamento visual nas posturas de Marilia e Edu dado pelo diretor de teatro, Augusto Boal. A encenação da música foi apresentada de forma impecável pelos cantores e pelos grupos musicais, naquela primeira eliminatória de 30 de setembro. Nessa noite, Edu sentiu que poderia ganhar o Festival.
A música tem uma composição dividida em três segmentos e um refrão muito bem explorado conforme a música avança. A letra de Capinam, apesar de raiz sertaneja, trazia uma interação política bem ao gosto daquele público mais politizado, enfatizando o desejo de mudança. E não só esse bordão contra a ditadura militar, mas o magnifico arranjo acabaram empolgando todos os tipos de ouvintes.
Após uma introdução de viola e violão com percussão e flauta, Edu e Marília cantam em uníssono a canção completa, sendo que, na terceira vez do refrão, Théo de Barros troca o violão pelo contrabaixo, dando maior peso ao acompanhamento.
Na primeira repetição, a flauta de Hermeto Paschoal nos eleva a alma.
Na terceira repetição, a contagiante percussão de Airto Moreira é ainda mais ressaltada, com o Momento Quatro entrando com palmas no refrão que é repetido modulado com mais palmas e escalas eficazes bem nordestinas da viola de Heraldo do Monte. O ritmo de baião é acelerado até culminar na frase final, "Quem me dera agora eu tivesse a viola pra cantar".
Essa música é, realmente, belíssima...
Percebe-se na canção, talvez uma alusão a viola como sendo a glória nacional, precisando ser resguardada da entrada da guitarra elétrica, como pedia a Marcha contra a Guitarra Elétrica, movimento ocorrido neste ano de 1967, por vários artistas da MPB, visando defender a música nacional contra a invasão da música internacional.
E a música também faz uma descrição daquele Brasil sufocado, com a censura calando os compositores da época em frases como:
Olhei pro mundo e nem via, nem sombra, nem sol, nem vento...
Era morte redor, mundo inteiro...
Tinha um que jurou me quebrar, mas não lembro de dor, nem receio...
Vou ver o tempo mudado, e um novo lugar pra cantar...
Com tudo isso, Ponteio se coloca como uma das mais belas canções deste vasto catálogo de músicas inesquecíveis deste nosso querido Brasil.
Mas, como diz a música: Encerrar meu cantar já convém...
E nós vamos encerrando nosso cantar por aqui...
Este é o podcast Música da Alma e eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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Música da Alma, um podcast para te provocar emoções.
Quem nos acompanhou ao longo deste episódio foi o quarteto formado por Mauro Senise, no sax e flauta, Gabriel Geszti, no piano, Rodrigo Villa, no contrabaixo e Ricardo Costa na bateria, num show que ocorreu no Teatro Anchieta do Sesc Consolação em 2013.
E numa verdadeira ironia do destino, na finalíssima, após Sergio Ricardo quebrar o violão e o atirar na plateia, vieram Marilia Medalha e Edu Lobo cantando:
Jogaram a viola no mundo
Mas fui lá no fundo buscar
Se eu tomo a viola ponteio!
Meu canto não posso parar
Não! Quem me dera agora eu tivesse a viola para cantar...
Fiquem todos bem e até nosso próximo episódio.





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