MÚSICA DA ALMA # 12 - SABIÁ
- Carlos A. Biella

- 6 de fev.
- 7 min de leitura
Atualizado: 21 de fev.

Sabiá
Tem músicas que nos marcam e ficam guardadas para sempre em nossa memória, não é mesmo? Pois essa é uma delas. Quer saber mais? Vem comigo!
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Sejam todos muito bem-vindos, este é o podcast Música da alma. Um podcast dentro do universo Mundo Espiritual.
Eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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O ano era 1968.
Jovens no mundo todo, sonhando com um novo amanhã, passaram a se rebelar contra o sistema capitalista, motivados por uma ideologia que tinha, de um lado, a teoria marxista e de outro, uma ideia romantizada de que o sistema somente seria alterado pela violência.
Aqui no Brasil, o representante deste sistema e grande inimigo a ser combatido, era o regime militar.
No dia 26 de junho, no Rio de Janeiro, artistas, intelectuais e membros da igreja católica realizam a Passeata dos Cem Mil, com a participação, entre outros, de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Milton Nascimento. Dias depois, em julho, o governo militar determina a invasão dos camarins do Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, e leva todos os atores da peça Roda Viva para a rua, onde os espancam e acabam depredando o Teatro.
Enquanto tudo isso acontecia nas ruas, algumas pessoas estavam reunidas para selecionar as músicas que iriam para a fase final da etapa brasileira do III Festival Internacional da Canção, que iria acontecer em setembro daquele ano.
Em meio à violenta repressão que se instalava, a música se apresentava como ferramenta de representação da consciência política estudantil. E os compositores brasileiros não deixaram passar as oportunidades e os festivais eram o local ideal.
O Maracanãzinho estava cheio de gente prestes a conhecer as músicas restantes candidatas às 20 vagas da final nacional.
Sabiá foi a primeira, bem aplaudida e apresentada por Cynara e Cybele, sugeridas como intérpretes a Tom Jobim por Chico Buarque, entusiasmado com a performance da "dupla pé-quente" que havia interpretado Carolina. Chico não se encontrava no Brasil, mas, Tom Jobim estava presente e fazia sua estreia no FIC.
Na apresentação das 20 músicas concorrentes da noite, duas canções foram acompanhadas por um coro de milhares de pessoas. Uma delas era de autoria de três estudantes de Arquitetura, Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós e foi interpretada pelos Golden Boys e Beth Carvalho, Andança..
A outra era de Geraldo Vandré e grande favorita do público, Pra Não Dizer que Não Falei de Flores...
A música Sabiá foi cantada pela dupla Cynara e Cybele, com arranjo vocal do próprio Tom Jobim, arranjo instrumental de Eumir Deodato e acompanhada pela orquestra regida por Mário Tavares. Durante a apresentação, dois sabiás de verdade foram soltos sobre a plateia que cantava a plenos pulmões: Vou voltar/ sei que ainda vou voltar/ para o meu lugar...
Aqui cabe uma explicação... no livro, de 2003, A era dos festivais, de Zuza Homem de Mello, que serviu de base para o roteiro deste episódio, juntamente com o livro, de 2009, Histórias de canções: Chico Buarque, de Wagner Homem, consta que havia uma grande preocupação no ar.
Ao que tudo estava indicando, caso Vandré ganhasse o Festival, ele seria preso.
Fato ou não, ele acabou ficando em segundo lugar e Sabiá foi a grande vencedora do Festival.
Mas, voltemos ao Maracanãzinho, naquela noite de 1968...
O apresentador Hilton Gomes foi divulgar o resultado, com o público totalmente inflamado.
Sexto lugar para Caminhante Noturno, com Os Mutantes. Quinto lugar para Dia de Vitória, com
Marcos Valle e quarto para Passacalha, com o Quarteto 004.
Ao anunciar a música terceira colocada, Andança, uma vaia estrondosa se ouviu.
O nome de Vandré era aclamado em peso pelo público presente e, quando Hilton Gomes anuncia o segundo lugar para a música Pra Não Dizer que Não Falei de Flores, o Maracanãzinho explodiu em vaias e protestos.
Vandré surge, caminha sob vaias para o microfone, mas, antes de cantar, tenta contemporizar...
E ao som de “é marmelada!”, Vandré fala uma das frases que ficariam marcadas na história, não só da música, mas na própria história do Brasil...”a vida não se resume em festivais”.
Após Vandré cantar, o público continua vaiando e Hilton Gomes se prepara para anunciar a grande vencedora. Nem dá para ouvir sua voz. Cynara e Cybele começam a cantar. As vaias continuam. Vandré também entra no palco e fica ao lado das duas baianas que entraram debaixo de vaias e debaixo de vaias cantaram. Não se ouve a orquestra, o maestro não ouve as cantoras...acanhado, dava para ver a agonia do compositor da música. Tom Jobim, estava quieto, aturdido, como que pedindo desculpas por ter composto uma das mais belas músicas brasileiras. Aquilo foi um pesadelo, foi "o dia mais negro de sua vida", como recordou o filho de Tom, Paulinho Jobim, anos depois.
E nós estamos sendo acompanhados pela Orquestra Sinfônica Arte Viva, sob regência de Amilson Godoy, com o fantástico saxoprano de Vinicius Dorin. É uma delícia! https://youtu.be/7Ma2Z6ErPrE
Sabiá era para ser chamada, Gávea, e havia sido composta por Tom Jobim ao estilo das modinhas de Villa-Lobos, para a soprano Maria Lúcia Godoy, e Tom pediu para que Chico Buarque fizesse a letra.
Interessante é que, por insistência do próprio Tom Jobim, a música usa a expressão "uma sabiá", que de todo não está errada, pois no Nordeste a palavra é usada no feminino.
O próprio Tom Jobim ensaiou as duas cantoras, em sua casa, no Leblon. Ele não queria fazer um arranjo sofisticado, queria algo mais próximo de Villa-Lobos.
Eu encontrei na internet, uma edição do Jornal do Brasil, de 29 de setembro de 1968, com um artigo intitulado “Cynara e Cybele, quando cantam o sabiá”. O artigo diz o seguinte: “De marrom cintilante, do sapato à maquilagem, Cinara e Cibele enfrentaram o Maracanãzinho com a música “mais simples que Tom já fez na vida e que lembra, como ele diz, uma modinha”.
Sabiá não era uma canção de exílio, mas, sim de esperança.
Em resumo, Sabiá venceu a etapa brasileira do festival, debaixo de vaias, e também a fase internacional, com algumas vaias e muitos aplausos.
A partir daqui, a era dos festivais começava a perder seu brilho. A MPB ganhava uma linda canção. E Tom Jobim, perdia algumas garrafas de uísque, pois apostara com Vinicius de Moraes que sua música não venceria o festival.
Naquele mesmo ano de 1968, o compacto simples com as duas baianas cantando Sabiá, foi lançado. Em seguida, a gravadora CBS lançou o LP, com arranjo de Dori Caymmi, produção de Hélcio Milito e a participação de Chico Buarque na escolha do repertório.
E sobre o que fala a letra de Sabiá?
Bem, ao escrever a letra, Chico Buarque construiu uma música única.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Apesar de muita gente achar que Chico falava de exilio, nesta época, ele ainda não se encontrava exilado, mas, colocou na música, um desejo de viver em um país democrático e livre de repressões. Em vários momentos, Chico disse ter usado um eu-lírico, um sujeito imaginário ao compor a letra desta canção.
Quando a letra diz...
E algum amor talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia
Aqui temos uma metáfora sobre escuridão e luz, referenciado entre noite e dia. Eram dias escuros, de uma densa tensão no ar, devido ao regime militar da época.
Apesar disso, a letra fala de esperança a anunciar o dia, fala da possibilidade de se poder expressar as opiniões, sem julgamento ou censura.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Aqui percebemos, de modo sutil, a comparação feita por Chico da situação do país com as próprias dificuldades enfrentadas e dos planos não concretizados. Contudo, parece existir uma certa resiliência e a certeza de que haverá um retorno.
Analisando a letra, percebe-se que Chico Buarque fala de um retorno ao lar, talvez de alguém que buscou algo na vida, talvez fugindo da própria vida:
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Chico chegou a afirmar, tempos depois, que a letra foi inspirada no poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, negando haver qualquer conotação política na letra.
Ouçam um trecho do poema, na voz de Fernanda Montenegro...
Mas, ao lermos a letra com mais atenção, percebemos que existe algo como um coração partido, e, talvez, uma tentativa de se afastar de um relacionamento...
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Mas, a letra enfatiza e repete a frase “vou voltar”, ressaltando uma determinação e uma certeza de regresso, apesar das adversidades e das mudanças que o tempo pode ter causado.
Em um artigo acadêmico que encontrei, do professor de música por Alfredo Werney Lima Torres e publicado na Revista Brasileira de Estudos da Canção, de 2014, o autor diz que “Sabiá é uma obra que possui um resultado estilístico homogêneo, em que letra e música se inter-relacionam e se equilibram de forma tensa. O discurso musical entra em acordo com o discurso poético da letra, formando, dessa maneira, uma mensagem coesa, uniforme – marcas das composições jobinianas e buarqueanas”.
Bem, no meu entender, Tom Jobim compôs uma melodia singela e Chico a letrou com sofisticação e simplicidade ao mesmo tempo. Ao se juntar melodia e letra, ambos deixaram uma linda canção que ficará, para sempre, gravada como um verdadeiro clássico da musicalidade brasileira. Principalmente quando interpretada pelo Quarteto em Cy juntamente com o MPB-4
Pra mim, Sabiá é uma das músicas que sempre me tocam o coração e a alma...
Este é o podcast Música da Alma e eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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Música da Alma, um podcast para te provocar emoções.
Hoje falamos sobre a linda música Sabiá, melodia de Tom Jobim, com letra de Chico Buarque de Holanda.
Eu vou ficando por aqui, mas, prometendo que vou voltar, sei que ainda, vou voltar...mas vou saindo acompanhado pela cantora portuguesa, Carminho nessa linda interpretação de Sabiá. https://youtu.be/OuExWDl4pUo .
Fiquem todos em paz e até nosso próximo episódio.





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