MÚSICA DA ALMA # 14 - O NOME DA ROSA
- Carlos A. Biella
- 22 de mai.
- 10 min de leitura

O nome da rosa.
Imagine uma história que se passa no século XIV, em um mosteiro isolado, na Itália Medieval, onde ocorre uma série de mortes misteriosas. Quer saber mais? Então, vem comigo.
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Sejam todos muito bem-vindos, este é o podcast Música da alma. Um podcast dentro do universo Mundo Espiritual.
Eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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Hoje falarei de uma obra escrita pelo italiano Umberto Eco, que nasceu em 1932, em Alexandria, na Itália, falecendo em Milão, em 2016. Eco foi escritor, linguista e filósofo, formado em filosofia e literatura pela Universidade de Turim, onde também, foi professor.
Dedicou-se intensamente à pesquisa da semiótica e foi um grande estudioso do período medieval e de São Tomás de Aquino.
Como escritor, publicou muitas obras de sucesso mundial como O Pêndulo de Foucault (1988) e O Cemitério de Praga (2010).
Em 1980 publicou o livro pelo qual seria mais conhecido, Il nome della rosa, O Nome da Rosa. Foi seu primeiro romance e um verdadeiro divisor de águas em sua carreira literária, pois, com essa obra, Umberto Eco consagrou-se na literatura. Em 1986, a história ganhou uma adaptação para o cinema.
O livro em si é considerado por muitos leitores como de difícil leitura, trazendo uma ambientação medieval e com longas páginas destinadas a disputas eclesiásticas, trazendo longos diálogos sobre teologia e filosofia. Além disso, em algumas traduções, existem muitas citações em latim, muitas delas sem nenhuma tradução. Outro aspecto intrigante é que, o livro traz um título que em momento algum é explicado.
Bem, eu devorei o livro quando o li pela primeira vez.
E para manter o clima, ao longo do episódio, ouviremos alguns cantos gregorianos, com os Monges do Monastério Beneditino de Santo Domingo de Silos, na Espanha, numa gravação lançada em 1993.
O nome da rosa, trata-se, na realidade, de uma aventura investigativa e cheia de mistérios.
A trama se passa em 1327, em plena Idade Média, um período marcado por profundos conflitos religiosos, muita superstição e a vertiginosa ascensão da Inquisição, um movimento político-religioso ocorrido entre os séculos XII e XVIII, principalmente na Europa. A Igreja Católica assumira um poder imenso e qualquer pequeno desvio fora da doutrina era considerado heresia e passivo de ser investigado pela temida Inquisição, levando muita gente a morte, muitas delas queimadas vivas, como o livro descreve.
Os principais personagens da trama são William de Baskerville, um monge franciscano com habilidades investigativas, altamente racional, cético e que utiliza da lógica para encontrar a verdade. Em muitas traduções para o português, seu nome consta como Guilherme de Baskerville.
Adso de Melk é um jovem noviço que acompanha William em sua investigação. É ele quem narra a história.
Jorge de Burgos é o bibliotecário do mosteiro. Cego e sábio, é um dos personagens mais enigmáticos desta trama. Existem muitos segredos por ele guardados. Jorge se mostra muito resistente à investigação de William.
Bernando Gui é o inquisidor que aparece no mosteiro, aumentando a tensão da trama e levantando questões éticas.
Ubertino de Casale é um monge opositor às ideias dominantes e que traz uma perspectiva importante sobre a liberdade e os limites do conhecimento.
Muitos outros personagens povoam a história como Salvatore, um monge bem peculiar e meio abobado, Beatriz, a única personagem feminina, Elias, um monge erudito e Frade Benedicto, um frade assistente na abadia, que acaba ajudando William em suas investigações.
A história inicia quando William e Adso chegam ao mosteiro para fazer parte de um concílio do clero que investiga crimes de heresia que estariam ocorrendo no mosteiro. No entanto, ao chegar, William passa a investigar algumas mortes misteriosas que ocorrem. Ao que parece, as mortes estariam relacionadas a um livro considerado proibido, contendo conhecimentos que seriam considerados perigosos pela Igreja.
Assim, ao longo da história, William e Adso vão se envolvendo em muitas intrigas, descobrindo segredos obscuros do mosteiro.
Se já não bastassem as mortes no mosteiro, eis que chega um antigo desafeto de William, Bernardo Gui, um poderoso frei que representa a Santa Inquisição. Ele vai até lá para apurar denúncias de atos hereges e de bruxarias.
Bernardo se coloca então como um obstáculo para que William e Adso concluam suas investigações, que já estão causando problemas entre a alta cúpula da Igreja.
Wiillian enfrenta, primeiro os monges do mosteiro e depois o inquisidor, todos estes, buscando manter o controle sobre o conhecimento e sobre a interpretação da fé.
Conforme a avança a investigação, William entende que as mortes seriam, na realidade, assassinatos relacionados a uma disputa teológica existente entre diferentes grupos dentro da própria Igreja.
Por fim, Willian acaba por desvendar o mistério existente por trás do livro considerado proibido e dos assassinatos cometidos visando manter tal livro protegido.
Viajando pelas páginas do livro encontramos muitos temas importantes, especialmente a busca pelo conhecimento, o grande poder da Igreja e a intensa intolerância religiosa presente no seio da própria Igreja.
Umberto Eco nos apresenta uma crítica profunda ao domínio do conhecimento e ao poder manipulado pela Igreja, mostrando como a busca pela verdade pode ser perigosa, principalmente em um mosteiro, onde a superstição e a opressão oriundas de uma cega fé religiosa, dominam.
Uma intrincada teia vai sendo traçada ao longo da história, repleta de simbolismo e inúmeras referências históricas, filosóficas e teológicas. O mosteiro se apresenta como uma amostra da sociedade medieval, com conflitos de poder, uma dose de heresia e uma acirrada disputa política.
Ressalta-se a intrigante biblioteca do mosteiro, um verdadeiro labirinto contendo conhecimentos proibidos e ocultos, ou seja, ali se encontravam ensinamentos e reflexões da antiguidade clássica, capazes de colocar em xeque os dogmas católicos e a própria fé cristã.
O bibliotecário, em uma conversa com Willian, defende a crença apregoada pelo alto clero, que o riso, a diversão e a comédia levavam a sociedade a se desvirtuar, deixando de temer à Deus. Por isso, não era recomendado que os religiosos rissem.
E um dos livros que se encontrava nesta biblioteca era considerado proibido, exatamente por esse motivo. Seria uma suposta obra do filósofo grego, Aristóteles, uma comédia que tratava exatamente sobre o riso.
Neste ponto da história, temos uma conversa interessante entre Jorge, o abade cego e William de Baskerville. Ouçam este trecho, retirado da adaptação cinematográfica do livro.
Willian pergunta, então, porque o livro causaria tanto temor e o abade, então, responde: Porque é de Aristóteles e faz rir!
Willian, continua perguntando:
O abade continua sua explicação, dizendo que o riso libera o aldeão do medo do diabo, porque na festa dos tolos, também o diabo aparece pobre e tolo, portanto, controlável.
Enquanto ri, enquanto o vinho borbulha em sua garganta, o aldeão sente-se patrão.
Assim, o riso distrai, por alguns instantes, o aldeão do medo, mas a lei é imposta pelo medo, cujo verdadeiro nome é temor a Deus. E deste livro poderia partir a fagulha luciferina que atearia no mundo inteiro um novo incêndio e o riso seria designado como arte nova, para anular o medo.
O debate entre Willian e Jorge, continua...
Neste ponto, o abade começa a... bem, para quem não leu ou assistiu ao filme, aqui vai um grande spoiler. As páginas do livro estavam envenenadas.
Ao folhearem as páginas, geralmente, molhando os dedos com saliva, os monges acabavam se envenenando e morrendo. O abade, nesta parte da história, começa a comer as páginas envenenadas do livro, enquanto a biblioteca se incendeia.
O livro foi adaptado para o cinema, em 1986, com a direção de Jean-Jacques Annaud e com o próprio Umberto Eco participando do roteiro. O filme mostra um retrato sombrio daquela época medieval europeia, apresentando uma atmosfera bem mais lúgubre que a do livro. O personagem principal, Willian de Baskerville foi vivido por Sean Connery, Adso foi interpretado por Christian Slater, Jorge de Burgos por Feodor Chaliapin Jr e Bernardo Gui foi vivido por F. Murray Abraham, e contou ainda com a participação de vários outros atores conhecidos.
As filmagens foram feitas na Itália e Alemanha e o filme ganhou o prêmio César de melhor filme estrangeiro em 1987 e o prêmio Bafta, de melhor ator para Sean Connery, em 1988.
Pois bem, toda a história se passa em um momento crucial da humanidade quando se dá a transição do pensamento medieval para o raciocínio renascentista. Deste modo, William de Baskerville representa o humanismo, o pensamento lógico, as novas ideias, a valorização da ciência e do ser humano. Já os religiosos do mosteiro simbolizam o pensamento retrógrado e místico que envolveu toda a Europa durante o período medieval.
O enredo nos conta sobre uma série de assassinatos e como eles ocorreram, entretanto, o principal objetivo da história é nos mostrar os meandros e pensamentos da corporação religiosa na Idade Média em contraste com as novas concepções humanistas que surgiam.
A história nos remete a uma comparação entre William de Baskerville com o famoso detetive inglês Sherlock Holmes, criado pelo escritor Sir Arthur Conan Doyle. Talvez, não por coincidência, um dos livros de Sherlock Holmes tem como título O Cão dos Baskervilles.
A narração de toda a história de O nome da rosa é do noviço Adso de Melk, que atua como um fio condutor, dirigindo o leitor ao entendimento das situações e fazendo, também, um paralelo com Dr. Watson, o fiel escudeiro de Sherlock Holmes.
Já o personagem do velho Jorge de Burgos teve como inspiração Jorge Luis Borges, escritor argentino que ficou cego no fim da vida e foi autor de várias obras que se passam em bibliotecas. Com relação ao personagem, Jorge de Burgos, ele é descrito por Umberto Eco como “a própria memória da biblioteca”.
São tratados ainda muitos temas filosóficos e um que ganha destaque é a discussão sobre o valor da diversão e do riso. Dessa forma, o escritor nos presenteia com uma obra que defende a leveza, o bom humor e a livre expressão de todos os seres humanos.
E, afinal, o que significa o título dado por Umberto Eco para este livro? O próprio autor afirmou que sua intenção era encontrar um título que proporcionasse uma liberdade de interpretação ao leitor. No entanto, "o nome da rosa" era uma expressão usada na Idade Média para denotar o infinito poder das palavras, além do fato de a rosa ser, também, um símbolo que representa a beleza, ao mesmo tempo efêmera e frágil, da vida.
Uma curiosidade...a trama de O nome da rosa, com as páginas do livro envenenadas, aparece em uma outra obra, muito mais antiga: As mil e uma noites.
As mil e uma noites trata-se, na realidade, de uma coletânea de contos e histórias árabes, muitas delas persas, que teriam sido coletadas, provavelmente, entre os séculos XIII e XVI. O livro passou a ser mais conhecido no mundo todo a partir do início do século XVIII, graças à tradução para o francês feita pelo estudioso orientalista, Antoine Galland. Num dos contos, intitulado, em algumas traduções como “História do rei grego e o médico Dubã” ou ainda “A história do rei Yunãn e o médico Dubãn”, temos algo bem parecido com o que ocorre em O nome da rosa.
Nessa história, havia um rei na Pérsia, chamado Yunã, que tinha o corpo coberto pela lepra. Nenhum dos médicos locais havia conseguido curar o rei. Um dia surge um sábio, chamado Dubã, muito competente, versado em muitas línguas e muitas ciências e se propõe a curar o rei. Dubã conhecia as plantas, nocivas e benéficas e produziu um remédio para a cura do rei, colocando o medicamento em um bastão oco de madeira, e o entregou para o rei, pedindo que este praticasse algo parecido com o jogo de polo, utilizando o bastão para isso. Conforme o rei transpirava, a droga, aquecida pelo calor da mão, misturava-se ao suor do corpo e agia sobre a doença. O rei ficou curado e passou a tratar Dubã com toda a pompa, dando lugar de honra em seu reino. Isso acabou gerando ciúmes, principalmente no grão-vizir, uma espécie de primeiro ministro, que era bem avarento, como narra a história. Esse grão-vizir começa a fazer a cabeça do rei, dizendo que Dubã era um perigoso assassino que teria vindo ao reino para matar o rei. O rei, então decreta a execução de Dubã e que este tenha a cabeça cortada. Dubã, então, fica indignado isso e pede ao rei que, ao menos, o deixe despedir-se de sua família e distribuir seus bens e seus livros contendo seus conhecimentos. Dubã, disse, também que deixaria para o rei o seu livro mais precioso, que continha todos os segredos. Disse, ainda que, após ter sua cabeça cortada, ele ainda responderia às perguntas que o rei fizesse. E assim foi feito, no dia seguinte, antes da sua execução, Dubã entregou um grande livro ao rei e lhe disse que somente o abrisse após tivesse sua cabeça cortada. Então o rei deveria abrir na sexta página e ler o que ali estivesse escrito, e sua cabeça, já cortada, responderia as perguntas que o rei lhe fizesse.
O rei, então, maravilhado com isso, ordenou que o carrasco cortasse a cabeça de Dubã.
Quando a cabeça de Dubã caiu, ela disse: Rei, pode abrir o livro! O rei abriu o livro e tentou folhear as primeiras páginas que se encontravam coladas, uma a outra. Para abri-las, o rei levou os dedos à boca e os molhou com saliva e foi folheando até a sexta página. Não havia nada escrito. O rei, então disse à cabeça de Dubã: médico, não vejo nada. A cabeça, então respondeu: volte algumas páginas. E o rei assim fez, sempre molhando os dedos em sua boca. Dubã havia colocado veneno nas páginas e ao tocá-las e depois levar os dedos aos lábios, o veneno foi inoculado no rei, que morreu em seguida.
Viram só, como as duas histórias tem similaridades?
O nome da rosa, além de ser um grande romance policial, com uma trama bem intrincada, proporciona uma profunda meditação sobre a natureza humana e sobre a busca pela verdade, num mundo dominado pela superstição e pelo dogmatismo religioso.
Em determinado momento do livro, há uma fala de um personagem dizendo que as maiores infâmias dentro do pensamento religioso estariam acontecendo em um só local. Parece que seria isso que Umberto Eco quis mostrar, utilizando uma abadia, como um microcosmo onde existe uma história de mistério, morte e crueldade.
Não é um livro simples de ler, principalmente com algumas edições trazendo citações em latim e pela narrativa densa, girando em torno do embate entre ciência e religião. Mesmo assim, essa complexidade é que deixa o livro tão rico, nos deixando reflexivos.
Umberto Eco usou de uma trama intrigante, misturando suspense, ficção, ciência, religião e filosofia, nos brindando com uma das grandes obras da literatura mundial, que nos faz viajar ao longo da história.
E eu vou ficando por aqui...
Este é o podcast Música da Alma e eu sou Carlos Biella e a produção, edição e apresentação são minhas e a parte gráfica fica por conta do Hugo Biella.
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Música da Alma, um podcast para te provocar emoções.
Sem dúvida, é uma obra fascinante que combina elementos de romance histórico e policial, com uma análise da sociedade medieval. Através da investigação de William de Baskerville, Umberto Eco nos leva a refletir sobre o poder, a religião e a busca pela verdade em um período marcado pela ignorância e pelo fanatismo.
O Nome da Rosa! Para quem não leu, vale a pena conferir.
Encerro com a frase que se encontra nas ultimas linhas do livro: Oh, quão saudável, quão agradável e doce é sentar-se na solidão, ficar em silêncio e conversar com Deus!
Fiquem todos em paz e até nosso próximo episódio.
Que livro interessante! A narração sua contendo também as falas dos atores ficou perfeita. 👏👏👏